quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Clube das Histórias: Mamadou sorri enquanto bebe um chávena de chá

 Fazia-se tarde. O Ano Novo levantou-se, nervoso, e procurou recompor-se a toda  a pressa. Como se descuidara tanto? Como fora capaz de deixar o tempo passar assim?  Agora, antes de partir, tinha de verificar se tudo estava no seu lugar. Muitas coisas dependiam do seu cuidado.
Apalpou bem o corpo todo e viu que o Outono estava onde sempre esteve, que os  álamos sem folhas de Janeiro tiritavam de frio, junto ao ribeiro do vale, e que a erva  brotava no prado onde, na Primavera, o vitelinho iria provar o seu sabor acre pela primeira vez.
Não havia um instante a perder!
Alinhou as florestas, inspecionou os desertos, reviu os oceanos e retocou, com carinho, o bando de pássaros que, no dia 4 de Maio, iria pousar no arame com mofo daquela cerca. Tudo estava pronto exceto ele, que estava atrasado! Sabia bem que, se não chegasse a tempo do encontro com o Ano Velho, o tempo ficaria parado e o ano que agora principiava ficaria todo baralhado.
Ainda não tinha saído quando sentiu um olhar cravado no seu rosto. Apercebeu-se de que alguém o fixava, de que uns olhos pequenos se cravavam com força nos seus, muito maiores. O Ano Novo estava com muita pressa, mas não teve outro remédio senão parar e virar-se para trás. Mas onde procurar?
Examinou a África, que, agora, por alturas de Junho, se encontrava entre um resto de savana ressequida e o início da época das chuvas, este ano um pouco atrasado. E foi lá que viu um menino a olhar para ele, deitado no chão, sem forças para continuar a respirar. Junto dele estavam outras crianças, algumas já de olhos fechados. Perto dali havia tendas de campanha, médicos em rebuliço a calcorrear o pó de um lado para o outro, ouviam-se choros, gritos e via-se uma bandeira com uma cruz vermelha engelhada.
Uma médica, ainda nova, olhava para a criança estendida no chão e, com um gesto de resignação, tomava-lhe o pulso.
— Já não vamos a tempo — disse para o enfermeiro.
— O pai dele morreu, mal aqui chegou — respondeu este.
Ambos evitavam olhá-lo nos olhos e, por isso, a criança olhava para o Ano Novo insistentemente, como se esperasse dele alguma resposta. Mas o Ano Novo não se lembrava de nada e as passadas do Ano Velho soavam já do outro lado das doze badaladas!
Contudo, quando o Ano Novo olhou outra vez para Mamadou — assim se chamava o menino — suspirou. E, enquanto corria para o encontro marcado, o seu suspiro condensou-se em forma de nuvem. O vento pegou nessa nuvem e empurrou-a pelos corredores frios do firmamento. As estações do ano discutiram um pouco até decidirem colocar a nuvem no dia certo. Por fim, o suspiro tornou-se chuva, que começou a cair no campo de milho que o pai de Mamadou iria finalmente colher. O Ano Novo sabia que esse punhado de grão pouco era. Sabia que o pai de Mamadou iria morrer mal chegasse ao campo de refugiados e sabia que Mamadou veria o seu corpo estendido.
Mas, graças a esse pouco milho de Maio, Maria pôde dizer ao enfermeiro:
— Depressa! Ainda vamos a tempo.
E o Ano Novo acabou por ver um brilho nos olhos azuis da médica.
E eu, que acabo de escrever isto, e que sei que o Ano Novo chegou a tempo de encontrar o Ano Velho e que, por isso, este ano não conhecerá nenhum desacerto, sorrio enquanto Maria e Mamadou tomam chá a meu lado. Mamadou ainda fala mal espanhol, mas parece compreender tudo. Maria, a sua nova mãe, diz-lhe algo engraçado e Mamadou sorri, enquanto bebe uma chávena de chá.



José Zafra
Ana Garralón
El gran libro de la Navidad
Madrid, Anaya, 2003
(Tradução e adaptação)

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Clube das Histórias: As luzes de Natal


Antes de o meu pai morrer, o Natal era uma época mágica nos longos e escuros invernos de Bathrurst, em New Brunswick. Os dias frios e tempestuosos começavam cedo, logo no fim de setembro. A dada altura, acendiam-se as luzes de Natal e a expectativa crescia. Por alturas da véspera de Natal, o vulgar pinheiro que o meu pai arrastara até nossa casa dez dias antes adquiria uma vida própria, plena de magia e deluz. O seu brilho era de tal forma maravilhoso que conseguia, sozinho, afastar toda a escuridão do inverno.
Na véspera de Natal, pouco antes da meia noite, agasalhávamo-nos bem e íamos à missa do galo. A beleza do som do coro causava-me arrepios e, quando a minha irmã mais velha, que era solista, cantava Noite Feliz, a minha face corava de orgulho.
No dia de Natal de manhã, eu era o primeiro a levantar. Saía da cama atabalhoadamente e descia em direção ao brilho intenso da sala de estar. Embora tentasse manter-me direito, os olhos cheios de sono faziam-me cambalear. Quando entrava na sala, via-me diante do esplendor do Natal. Os meus olhos toldados e cheios de sono criavam uma auréola à volta de cada luz, amplificando-a e aquecendo-a. Após uns breves instantes, esfregava os olhos e via uma infinidade de fitas e laços e um amontoado de presentes coloridos. Nunca me esquecerei da sensação do primeiro vislumbre dessa manhã. Após alguns minutos a sós com a magia do Natal, ia buscar os meus irmãos e juntos acordávamos os nossos pais.
Certa noite de novembro, quando faltava um mês para o Natal, eu estava sentado à mesa da sala de jantar a jogar o Solitário. A minha mãe estava ocupada na cozinha, mas, de vez em quando, aproximava-se da sala de estar para ouvir o seu programa de rádio preferido.
Embora estivesse escuro e frio lá fora, o interior da casa estava agradável. O meu pai tinha-me prometido que à noite jogaríamos as cartas, mas já estava quase na hora de ir para a cama e ele ainda não tinha chegado. Quando o ouvi entrar pela porta da cozinha, levantei-me de um salto e fui ao seu encontro. Embora lançasse um olhar preocupado à minha mãe, o que achei estranho, abraçou-me quando corri para os seus braços. Adorava abraçar o meu pai numa noite de inverno. O casaco grosso e frio comprimia-se contra a minha cara e o cheiro do gelo misturava-se com o cheiro da lã.
Só que desta vez foi diferente. Depois dos segundos iniciais do abraço habitual, o seu corpo começou a ficar hirto. Fiquei um pouco assustado com esta reação anormal e senti-me aliviado quando a minha mãe me arrancou dos braços dele. Naquela altura, não compreendi que o meu pai acabava de sofrer um enfarte. Pediram-me para descer para o quarto de jogos e para brincar com os meus irmãos. Do fundo da escada, vi chegar o médico e o padre. Mais tarde, vi os enfermeiros entrar e depois vi-os sair, transportando uma maca coberta com uma manta vermelha. Não chorei na noite da morte do meu pai, nem no dia do funeral. Não que reprimisse as lágrimas. Simplesmente, não tinha lágrimas para chorar.
Na manhã do dia de Natal, como habitualmente, fui o primeiro a levantar-me. Mas este ano era diferente. A manhã já despontava no céu. Mais acordado do que de costume, desci para a sala de estar. Só me apercebi de que havia algo de estranho quando entrei na sala. Em vez de ficar ofuscado com as luzes brilhantes, conseguia ver tudo com nitidez naquela sala sombria. Conseguia ver o pinheiro, os presentes e até, através da janela, um pouco do exterior. O meu pai já não estava presente para assegurar que as luzes do pinheiro tinham ficado acesas. Quebrara-se a magia do Natal da minha infância.
Entretanto, os anos passaram. Durante a minha juventude, voluntariei-me sempre para trabalhar no Natal. O dia de Natal não era bom, nem era mau. Era mais um dia cinzento de inverno, com a vantagem de receber algum dinheiro extra pelo facto de trabalhar.
Depois apaixonei-me e casei-me. O primeiro Natal do nosso filho foi o melhor que eu tinha tido em vinte anos. À medida que ele foi crescendo, o Natal foi melhorando. Quando a nossa filha nasceu, já recuperáramos algumas tradições familiares e o Natal tornou-se, de novo, uma época maravilhosa. Era divertido esperar pelo Natal, ver a excitação das crianças e, acima de tudo, passar o dia de Natal com a minha família. Na véspera de Natal, continuei a tradição iniciada pelo meu pai e deixava as luzes do pinheiro ligadas naquela noite para que, de manhã, as crianças pudessem viver aquela experiência maravilhosa.
Numa noite de Natal, tinha o meu filho nove anos, a mesma idade que eu tinha quando o meu pai faleceu, enquanto via a missa do galo na televisão adormeci no sofá. O coro cantava lindamente e a última coisa de que me lembro foi de desejar ouvir outra vez a minha irmã a entoar Noite Feliz. Acordei de manhã cedo com o barulho que o meu filho fazia enquanto descia para a sala de jantar. Vi-o parar e olhar o pinheiro, boquiaberto. Então, lembrei-me da minha infância e soube que o meu pai me tinha amado da mesma forma que eu amava o meu filho. Soube que ele tinha sentido por mim uma mistura de orgulho, de alegria e de amor ilimitado. E, naquele instante, soube como me tinha zangado com o meu pai por ele ter morrido e quanto amor tinha escondido durante toda a minha vida por causa desse sentimento de raiva.
Senti-me um rapazinho, cujas lágrimas estavam prestes a brotar, e não havia palavras para exprimir a imensa pena e a alegria irresistível que experimentava em simultâneo. Esfreguei os olhos com as costas da mão para ver melhor. Com os olhos húmidos e a visão toldada, olhei para o meu filho que estava diante do pinheiro. Meu Deus, que pinheiro magnífico! Era o pinheiro da minha infância.
Através das lágrimas, as luzes do pinheiro irradiavam um brilho quente e cintilante. Os amarelos, verdes, vermelhos e azuis, tremeluzentes e suaves, envolveram-nos. Tinham-me sido roubados pela morte do meu pai. Mas, ao amar o meu filho tanto quanto o meu pai me amara, pude ver, uma vez mais, as luzes de Natal. E, a partir desse dia, recuperei toda a magia e alegria do Natal.



Michael Hogan
J. Canfield, M. V. Hansen, J. Matthews, R. Aaron
Chicken Soup for the Canadian Soul
Florida, HCI, 2010
(Tradução e adaptação)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Clube das Histórias: Ângela e o Menino Jesus

Quando Ângela, a minha mãe, tinha seis anos, sentiu pena do Menino Jesus que estava no presépio da igreja de Saint Joseph, que ficava perto do lugar onde vivia. Pensava que o Menino tinha frio e perguntava-se por que motivo ninguém lhe punha um cobertor por cima do corpinho nu. Não que ele parecesse infeliz: sorria para a mãe, a Virgem Maria, para S. José, e para os três pastores com cordeirinhos às costas, que pareciam bem quentinhos nos seus casaquinhos de pele. Mas, mesmo que sentisse frio, nunca se queixaria, porque o Menino Jesus nunca iria querer que a sua mãe se sentisse infeliz. A pequena Ângela também sentia frio e fome com frequência, mas nunca se queixava, com medo de que a mãe, os irmãos e a irmã a mandassem parar com a choradeira. Haveria de encontrar uma forma de ajudar o pobre Menino Jesus, sem que ninguém soubesse de nada. Alguns dias antes do Natal, Ângela escondeu-se num confessionário, espreitando, de vez em quando, para ver se a igreja já estava vazia. Mrs. Reid e Mr. King estavam ajoelhados nos bancos da igreja a rezar, arfando e batendo no peito, e Ângela perguntava-se por que razão não iam antes para casa, beber uma boa chávena de chá, bem docinha. Quando espirrou, os velhotes assustaram-se, por não saberem de onde teria vindo o espirro. Cochicharam um para o outro que devia haver um fantasma na igreja e saíram dali o mais depressa que puderam. A pequena Ângela esperou um pouco, para se certificar de que a igreja estava finalmente vazia. Só se ouvia agora o barulho de vozes na rua e os cascos dos cavalos no pavimento.
Pensou no que ia fazer. Sabia, pelo que ouvira nas aulas, que roubar era uma má ação e que podia ser castigada. Podia até ser mandada para a cama sem direito a uma chávena de chá sequer. Se mesmo tirar alguns tostões do porta-moedas da mãe implicava um castigo, qual seria a punição por roubar o Menino Jesus? A própria mãe lhe daria um bom açoite, de certeza; contudo, Ângela não queria pensar nisso naquele momento. A única coisa que lhe interessava era tomar conta do Menino antes que ficasse roxinho de frio. Ficou surpreendida ao ver quão hirto e gelado era, ao invés dos bebés macios da sua rua. Quando o levantou da manjedoura, ele continuou a sorrir para ela, da mesma forma que sorria para a Virgem Maria, para S. José, para os três simpáticos pastores com os cordeirinhos, e para os Três Reis Magos e os seus presentes. Sentiu pena por nunca mais nenhum deles o ir ver de novo; porém, nenhum deles parecia preocupado. De qualquer forma, aquecê-lo era o mais importante e ninguém iria querer negar-lhe essa oportunidade. Tinha de ser cuidadosa. Não queria que ninguém a visse a transportar o Menino Jesus para casa. Caminhou com rapidez pela nave da igreja e saiu para a rua, onde estava já escuro. Ao longo das ruas, a luz bruxuleante dos candeeiros ajudá-la-ia a esconder-se nas sombras. Fazia frio e os transeuntes não pareciam ter vontade de olhar para uma rapariguinha e para o quer que fosse que ela carregasse. O que as pessoas queriam era ir para casa beber uma boa chávena de chá e aquecer as pernas à lareira. A dada altura, Ângela deteve-se. Como iria levar o Menino Jesus para casa, com todos a olharem e a perguntarem o que era aquilo e o que estava ela a fazer? Não podia entrar pela porta da frente, mas, como havia uma ruela por detrás da casa, podia atirar o Menino para dentro do quintal. Contudo, o muro era demasiado alto. Podia subi-lo, mas teria de o fazer sem o Menino. Disse-lhe então: — Ajudas-me, meu Menino? Ajudas-me?
E ele ajudou-a, dizendo-lhe, mentalmente, para o atirar por cima do muro e para o ir buscar ao outro lado. Não que fosse fácil. Ângela tentou três vezes, antes de conseguir atirar o Menino para o quintal.
Foi então que aconteceu uma coisa horrível. Quando escalou o muro e saltou para o quintal, não havia qualquer sinal do Menino. O que podia ela fazer? Para onde teria ele ido? Ângela só tinha seis anos, mas sabia que perder o Menino Jesus era coisa séria. Se não conseguisse encontrá-lo, ele ficaria com frio e começaria a chamar pela mãe. Encontrou-o finalmente. A sua brancura ressaltava da escuridão do quintal da vizinha cega de Ângela, Mrs. Blake. Debruçada no muro, a menina falou severamente com Jesus. Estava a tentar ajudá-lo e não via maneira de desculpar o comportamento dele, a voar como um pássaro e a cair num quintal onde não devia estar. Disse-lhe:
— Menino Jesus, estou com vontade de te deixar ficar aí.
Mas Ângela nunca o faria, porque, se Deus descobrisse, não a deixaria tocar num doce ou num pão com passas durante uma semana inteira.
— Quando te atiro por cima do muro, não deves aterrar no quintal de Mrs. Blake. Nem deves voar como se fosses um anjo.
Ângela saltou para o quintal da vizinha e foi buscá-lo. Conseguiu lançá-lo, numa só tentativa, para o seu quintal, o que provava que ele a tinha ouvido, apesar de continuar com o mesmo sorriso de sempre. Ângela adorava a forma como os bracinhos e as mãozinhas dele se estendiam, tal e qual como quando estava no presépio. Quando ela própria aterrou no chão, disse-lhe que ele era um bom menino, porque era obediente, e abraçou-o para o aquecer naquela noite fria e escura de Dezembro.
Ângela quase morreu de susto quando a porta traseira da casa se abriu e o irmão saiu. Pat ia à casa de banho. O rapaz estacou e ficou a olhar para a irmã e para o Menino Jesus. Dado que o irmão era como um bebé ele próprio, e costumava dizer coisas apatetadas, Ângela não se preocupou.
— Esse é o Menino Jesus?
— É.
— Mas ele devia estar a dormir no presépio na igreja e tu tem-lo aqui ao frio.
— Estou a aquecê-lo — explicou Ângela.
— A mãe dele vai desatar numa gritaria quando vir que ele desapareceu.
— Aposto que não se vai importar, porque também quer que ele esteja quentinho.
— Então está bem.
Pat foi à casa de banho e Ângela entrou em casa devagarinho, atravessando o pequeno patamar e subindo as escadas. Parou ao ouvir a voz do irmão.
— Mamã, a Ângela tem o Menino Jesus lá em cima.
A mãe disse:
— Oh, filho, isso é que é imaginação. Bebe o teu chá.
— Tem pois. E ele está todo branquinho e a tremer.
— Está bem, Pat. Havemos de falar com ela.
— A mãe dele deve estar a fazer uma algazarra.
— Não canses essa cabecinha, filho.
Ângela sabia que não ia conseguir conservar o Menino, durante toda a noite, na cama que partilhava com Aggie, a irmã. Deixá-lo-ia descansar durante algum tempo, quentinho e aconchegado num cobertor, e, quando fossem horas de deitar, pô-lo-ia debaixo da cama, confiando que ele se manteria lá confortável até de manhã.
A mãe ficou surpreendida por a ver descer as escadas à hora do lanche, em vez de a ver entrar pela porta da frente.
— Estavas a descansar, filha?
— Estava.
Depois do lanche, deixaram-na ficar sentada à lareira, enquanto a família convivia. Queria juntar-se à conversa, mas diziam-lhe sempre que era demasiado pequena e que devia manter-se calada. Afinal, só tinha seis anos. O que teria para dizer que fosse importante? Esta noite, estar em silêncio não incomodava Ângela. Tinha um grande segredo: o Menino Jesus estava na sua cama, quentinho e aconchegado. Não que lhe fosse fácil guardar segredos; contudo, se dissesse fosse o que fosse, todos iriam querer vê-lo e brincar com ele, como se fosse uma boneca velha. Ângela tivera outrora uma boneca e chorara bastante quando Aggie lhe arrancara a cabeça e se rira.
A família riu de novo quando Pat lhes contou que tinha visto Ângela com o Menino Jesus ao colo no quintal das traseiras. Furioso, o rapaz acrescentou:
— E agora tem Deus lá em cima na cama.
A mãe sossegou-o:
— Está bem, filho. Vamos lá todos ver se o Menino Jesus está na cama.
A pequena Ângela ficou aterrorizada. O que podia fazer se a família encontrasse o Menino Jesus na cama dela? A mãe decerto lhe daria umas boas palmadas e obrigá-la-ia a ir para a cama sem chá e sem pão.
Seguiu a mãe e os irmãos até ao andar de cima.
O quarto estava escuro, mas podia ver-se o Menino Jesus na cama, com a cabeça na almofada e os braços estendidos, embora não se conseguisse ver o seu sorriso encantador.
— Minha Nossa Senhora! — exclamou a mãe. — Este é o Menino Jesus da igreja de Saint Joseph?
Quando todos disseram “É”, Ângela ficou calada. A mãe olhou-a de frente.
— Ângela, foste tu que puseste o Menino Jesus na cama? Diz a verdade, porque se mentires diante do Menino Jesus cometes o maior pecado do mundo.
A pequena Ângela tinha vontade de chorar, mas não o fez. Algo lhe dizia que chorar neste momento não ajudaria muito.
— Fui — respondeu.
— E porque o fizeste?
— Porque ele tinha frio no presépio e eu queria aquecê-lo.
Tom e Aggie desataram a rir, mas a mãe silenciou-os. A pequena Ângela reparou que Pat, o motivo de toda aquela confusão, não ria. Pat disse:
— Eu adoro o Menino Jesus. Vou tomar conta dele para que não tenha frio.
— Mas, filho, temos de o levar para junto da sua pobre mãe, a Virgem Maria, que ficou na igreja.
Pat começou a chorar.
— Por favor, mamã, eu consigo aquecê-lo e posso dizer à mãe que ele está a salvo na cama. Ângela tinha vontade de dizer ao irmão que fora ela quem trouxera o Menino Jesus e que o irmão não tinha nada que falar do paradeiro da criança à Virgem Maria.
— Mamã — começou.
— O que foi? — perguntou a mãe, num tom brusco.
— Quero ser eu a aquecer o Menino Jesus. Não quero que o Pat faça nada.
— Ele é teu irmão. E adora o Menino Jesus.
— Pouco me importa.
— De qualquer forma, o Menino Jesus tem de voltar para junto da mãe dele imediatamente. As lágrimas irromperam dos olhos de Ângela.
— Por favor, mamã, por favor…
— Vamos levá-lo de volta, Ângela, e temos sorte se o padre não quiser apresentar queixa.
A mãe embrulhou o Menino Jesus no seu melhor xaile e foram todos até à igreja devolver o Menino à Virgem Maria, a S. José, aos pastores dos cordeirinhos quentinhos, e aos Três Reis Magos. Ficaram chocados quando viram a porta da igreja fechada, e ainda mais chocados quando ela se abriu e o Padre Creagh e um polícia saíram de lá de dentro.
— Virgem Santíssima! — exclamou a mãe de Ângela.
— O que é isto? — perguntou o padre.
— É o Menino Jesus — respondeu a mãe de Ângela.
— Isso vejo eu — replicou o padre.
— Há duas horas que andamos numa aflição em volta do presépio. Quem o levou?
A pequena Ângela puxou pela manga do padre.
— Fui eu. Ele estava com frio e eu levei-o para o aquecer.
Padre e polícia entreolharam-se. Este abanou a cabeça.
— Que Deus nos ajude!
Pôs a mão no ombro de Ângela e perguntou ao padre:
— Prendemo-la, padre? Pomo-la na cadeia de Limerick?
— Não, não — gritou Pat. — Vocês não podem pôr a minha irmã na prisão. Ela só estava a tentar aquecer o Menino Jesus. Ponham-me antes a mim.
O rapazinho não sabia do que falava e a mãe começou a chorar.
— Oh, Pat — disse, segurando o Menino num braço e aconchegando o filho com o outro. — Eras capaz de fazer isso pela tua irmã?
— Claro que sim. Adoro o Menino Jesus e adoro a minha irmã.
O mais estranho de tudo era que o luar de dezembro mostrava que as lágrimas também corriam pelo rosto do padre, enquanto o polícia pigarreava e dava um toque no cassetete. O padre entrou na igreja, clareou a garganta e pediu a todos que entrassem.
— Temos de devolver o Menino à sua pobre mãe — disse a Ângela.
Subiram pela nave e, quando chegaram junto do gradeamento do altar, o padre pegou no Menino que a mãe de Ângela segurava. Deu-o a Ângela e conduziu-a até ao presépio.
— Podes voltar a pô-lo na manjedoura — disse, numa voz suave e baixinha.
— Mas ele vai ter frio — objetou Ângela.
— Não vai, não — assegurou o padre. — Quando não está ninguém presente, a mãe dele, Nossa Senhora, certifica-se de que ele não passa frio.
— Tem a certeza? — perguntou Ângela.
— Claro que tenho — respondeu o padre.
E, quando Ângela pôs Jesus de novo no presépio, o Menino sorriu como sempre sorria e estendeu os braços para o mundo.

Frank McCourt, Raúl Colón Angela and the Baby Jesus London, HarperCollins, 2007

(Tradução e adaptação)

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Foas Festas



A equipa  da Biblioteca Escolar deseja a toda a Comunidade um Natal muito feliz e um novo Ano recheado de coisas boas.


terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Poema do mês de dezembro

É Natal

É Natal e por esse Mundo,
Quantos Corações sem Esperança
Quantas Lágrimas Rolando
Num Rostinho de Criança

Quanta Criança Descalça,
Rotinha, Magra, Faminta,
Apelando para o Mundo
Na Rua Estende a Mãozita...

Ah se eu fosse Poderosa
Bem Mais do que um Simples Ser,
Não Haveria no Mundo
Uma Criança a Sofrer

Por isso meu Bom Jesus
Quando o Sino Badalar
Vou fazer uma Oração
Tua Imagem Adorar

Pedirei Paz para o Mundo
Muito Amor para os Pequeninos
Alegria para os que Choram
E Pão para os Pobrezinhos

E Ajudando os que Sofrem
A Cada um Dando a Mão
Passaremos um Natal
Com mais Paz no Coração.

Maria da Luz Pedrosa


Sugestão da docente Cândida Perpétua

Filme do mês de dezembro: A Lista de Schindler

O filme representa a indelével história do enigmático Oskar Schindler, um membro do partido nazi, mulherengo e especulador de guerra, que salvou a vida a mais de 1100 judeus durante o Holocausto.
Foi o triunfo de um homem que fez a diferença no drama daqueles que sobreviveram a um dos capítulos negros da História da Humanidade, salvos pelo seu filantropismo.
Vencedor de sete Óscares da Academia, incluindo Melhor Filme e Melhor Realizador, o filme venceu, igualmente, os mais importantes prémios para Melhor Filme e arrecadou uma significativa quantidade de menções honrosas.
Tocante e imperdível.









Sugestão da docente Cândida Perpétua

Livro do mês de dezembro: "A terra toda"

Abandonado por uma mulher que o traiu com outro homem, Rafael, o protagonista, recorre às consultas de uma psicanalista, com quem acabará por se envolver.
Só que ele não sabe que está com isso a ressuscitar o seu passado e a expor-se a uma traição ainda mais dolorosa.
Fazendo uma pausa no romance histórico, que o consagrou como um dos mais populares autores portugueses, José Manuel Saraiva mergulha agora nas águas mais profundas da nossa actualidade, abordando um tema escaldante que fará ainda estremecer algumas boas consciências.




José Manuel Saraiva  nasceu em Santo António d’ Alva, Oliveira do Hospital, em 1946, sendo um jornalista e romancista contemporâneo. Enquanto jornalista, trabalhou, com frequência, para O Diário,  Diário de Lisboa, Grande Reportagem e Expresso, e, esporadicamente, com diversos outros jornais e revistas. Foi o autor de Madina do Boé—A Retirada e De Guilege a Gadamael - O corredor da morte, documentários produzidos pela SIC sobre a guerra colonial. Foi também o guionista do telefilme A Noiva, realizado por Luís Galvão Teles. A sua primeira incursão no romance ocorreu, em 2001, com As lágrimas de Aquiles. Em 2005, publicou Rosa Brava, baseado na vida de Leonor Teles de Menezes. E, em 2008, editou Aos Olhos de Deus, novamente a partir de um facto histórico, desta vez a grande embaixada enviada ao Papa Leão X pelo rei D. Manuel I, em 1514. Em 2011 publicou A terra toda.

Cândida Perpétua